Atraso na entrega de imóvel na planta: Como funciona a rescisão do contrato?
A aquisição de um imóvel para fins residenciais requer planejamento e investimento, além de gerar grandes expectativas a respeito da sua entrega.
O atraso na entrega do imóvel (após o prazo de tolerância de 180 dias) é um dos fatores determinantes para muitos consumidores optarem por requerer a rescisão do contrato.
Isso porque além da decepção gerada pelo descumprimento do prazo, existe uma incerteza acerca da previsão da entrega, frustrando o sonho da casa própria.
Diante de tal cenário, o comprador pode optar por rescindir o contrato.
Com a rescisão do contrato, é cabível a devolução de todas as parcelas pagas?
Sim. O comprador terá direito a devolução todas as parcelas pagas de uma só vez, com correção monetária a contar do desembolso e juros de mora de 1% a partir da citação.
Inicialmente, destaca-se que é necessário que o consumidor esteja cumprindo com suas obrigações contratuais e pagando pontualmente suas parcelas (isto é, para receber a totalidade das parcelas pagas, o comprador não pode estar inadimplente).
Essa devolução deve ser feita de uma única vez, isto é, a jurisprudência já possui entendimento pacificado de que é abusiva a restituição desses valores de forma parcelada (Súmula 2 do TJ/SP).
A não conclusão da obra dentro do prazo acarreta o descumprimento contratual por parte da construtora, fato que possibilita a resolução da promessa de compra e venda do imóvel com a restituição integral das parcelas pagas, tendo em vista a ocorrência de culpa da promitente vendedora.
Esse entendimento está consubstanciado na súmula 543 do STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código deDefesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”
É cabível alguma indenização pelo descumprimento do contrato?
É muito comum nesse tipo de contrato haver previsão de multa em caso de falta de pagamento pelo comprador e ser omisso para a construtora.
Seria possível “inverter” a aplicação dessa multa contratual e aplicá-la contra a construtora, no caso de rescisão do contrato motivada pelo atraso na entega do imóvel?
Sim, é possível.
Inicialmente, importante lembrar que, os contratos desta espécie são usualmente um contrato de adesão, cujas cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Ou seja, não há margem de negociação, pois as cláusulas são predispostas e impostas ao consumidor.
Em geral, a multa contratual, também chamada de cláusula penal, pode ser prevista na hipótese de descumprimento integral da obrigação (compensatória), ou ainda, descumprimento parcial (de alguma cláusula específica, por exemplo) e também quando houver atraso no cumprimento (moratória).
Assim, observa-se que a cláusula penal é medida de caráter reparatório, que visa prefixar eventuais danos sofridos em razão do inadimplemento integral (compensatória) ou parcial (moratória) da obrigação, dispensando a necessidade de prova.
Também possui caráter sancionador e função dissuasória, pois visa incentivar o cumprimento da obrigação na forma e tempo avençados.
Dessa forma, a mesma multa que é estipulada ao comprador para a hipótese de ter dado causa à rescisão, também deve ser estendida ao vendedor, garantindo-se com isso o equilíbrio contratual e a reciprocidade entre as obrigações.
Esse é o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos:
“No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial” (Tema 971)
Importante observar que, no caso de rescisão contratual, a aplicação da multa tem afastado a condenação por lucros cessantes (espécie de dano material, que consiste no que o indivíduo deixou de lucrar), por se mostrar incompatível com o pedido de desfazimento do negócio. Sobre os lucros cessantes e sua aplicação em caso semelhante, leia esse artigo.
Esse é o entendimento que foi consolidado no Tema 970 do STJ: “A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, é, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.”
Apesar de alguns Tribunais ainda divergirem sobre esse tema (cumulação da cláusula penal com lucros cessantes), a tendência será a adoção da tese firmada pelo STJ.
Sempre é importante reiterar sobre a importância da análise do caso concreto, isto é, sempre será necessário avaliar o contrato ajustado entre as partes e suas cláusulas correspondentes.
E dano moral? Pode haver condenação nesse caso?
Quando se fala em dano moral é necessário analisar cada caso e suas particularidades. Vamos entender melhor.
O STJ entende que o fato de haver descumprimento do prazo pela construtora na entrega do imóvel não gera dano moral indenizável (STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1684398/SP).
Ou seja, a regra é que não cabe dano moral por haver “apenas” o atraso na entrega do imóvel (o “apenas” é algo proposital aqui apenas a título de compreensão, concordemos ou não com esse entendimento, esse é o posicionamento do STJ).
Isso porque, poderá ser cabível dano moral caso seja comprovado algum prejuízo “a mais” que o indivíduo sofreu por conta desse descumprimento contratual.
Perceba que, nesse caso, o dano moral não é presumido, isto é, para ser cabível é indispensável a demonstração de um abalo emocional, de um constrangimento, da ocorrência de uma violação da personalidade.
Na prática, acaba sendo difícil avaliar essas situações, ainda mais quando se trata do investimento da casa própria, que necessita de um planejamento pessoal e patrimonial do consumidor.
A análise do caso concreto se mostra essencial. Seguem alguns exemplos abaixo para entendermos melhor:
Caso 1: Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (AgInt no AREsp 2.042.494 / MA)
Nesse caso, o Tribunal de origem julgou procedente o pedido de indenização por danos morais porque o consumidor comprovou que adquiriu o imóvel na planta para instalar seu negócio em sala comercial e houve atraso de mais de 1 ano e 4 meses na entrega da obra.
Além da demora injustificada, houve sucessivas promessas e fixação de novos prazos, os quais foram descumpridos pela construtora.
Destaca-se que o consumidor cumpriu com suas obrigações contratuais em realizar os pagamentos das parcelas avençadas e chegou a firmar acordo para tentar resolver amigavelmente a demanda.
Como se observa, o Tribunal de origem não julgou procedente o pedido unicamente em virtude do atraso na entrega do imóvel, mas também por ter o autor suportado esse atraso, frustrando-lhe a justa expectativa de instalar seu negócio na sala comercial negociada e exercer seu direito constitucional ao trabalho e alcançar uma vida digna.
Ademais, verifica-se ainda, a conduta abusiva da construtora que, além de não entregar o imóvel no prazo, não apresentou nenhuma outra alternativa para que o consumidor pudesse instalar seu negócio e sobreviver de forma digna, até mesmo em outro imóvel.
Assim, destacou que houve significativa e anormal violação do direito da personalidade do promitente-comprador, em razão de transtornos que ocasionaram angústia, apreensão, intranquilidade e dificuldades.
Caso 2: Apelação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP (TJSP; Apelação Cível 1009356-80.2019.8.26.0084)
Nesse caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP reconheceu a existência de dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em razão de um atraso de 02 anos na entrega de imóvel residencial.
Entendeu que, no caso, não houve um mero inadimplemento contratual, pois ficou demonstrada a alteração na vida do consumidor, resultando em muita angústia.
Caso 3: Apelação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP (TJSP; Apelação Cível 1017352-98.2021.8.26.0007)
Nesse caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/SP não reconheceu a existência de dano moral, enfatizando que o simples inadimplemento contratual não gera danos morais, sendo considerado mero aborrecimento.
O TJ/SP entendeu que não se trata de hipótese que caracterize extremo desgaste psicológico que deva ser compensado monetariamente. Qualquer obrigação pode ser descumprida, assim o contrato prevê hipóteses de mora e inadimplemento e, na sua falta, a justiça estabelece os respectivos consectários.
Assim, não se pode afirmar que, diante da possibilidade de descumprimento do contrato, possa haver reação de extremo desgaste psicológico e dissabor, a caracterizar-se o dano moral.
Como se pode observar existem posicionamentos divergentes. A avaliação profissional de cada caso, do contrato em particular e dos prejuízos suportados pelo consumidor é indispensável para obter a melhor solução cabível ao caso concreto.